domingo, 3 de fevereiro de 2008

FMI dá aval a aumento do gasto público para combater a recessão e nos EUA, ‘heterodoxia’ do Fed põe de lado guerra à inflação

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Dominique Strauss-Khann, Diretor-geral do FMI

Interessante estes artigos do Estadão.

Como se sabe o jornal não gosta ouvir falar em gasto público, por isso os artigos são um longo porém. Isto não anula a constatação evidente: o déficit fiscal dos EUA é gigante e mesmo assim o FED abaixa os juros e fecha os olhos para um eventual repique da inflação. Para o FMI esse é o caminho, a contra-mão do que sempre apregoaram para os nossos países.

É que em ambas situações se trata de ajudar os mesmos, os que dominam a economia mundial: os EUA. Neste caso, até agora, o esforço tem sido insuficiente. Agir para evitar a recessão nos Estados-Unidos é bom para todos, mas é bom não esquecer que alguém vai financiar o déficit e o endividamento norte-americano. O resto do mundo será quém arcará com o ônus. LF

Declaração de diretor-gerente da instituição provoca novo debate entre ‘desenvolvimentistas’ e ‘monetaristas’

Lu Aiko Otta

O risco de recessão nos Estados Unidos e a decorrente ameaça de desaceleração econômica em outros países levaram o diretor-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, a defender que países em boa situação fiscal passem a gastar mais, dando um impulso extra à economia, além do corte nos juros.

É uma recomendação impensável dez anos atrás, quando o mundo foi sacudido por uma sucessão de crises nos países emergentes. Naquela época, cortar gastos, arrecadar mais e acumular superávit nas contas públicas passou a ser sinônimo de boa política econômica.

Para Marcio Pochmann, alinhado aos “desenvolvimentistas” do governo, a declaração do número 1 do FMI reflete o esgotamento das políticas de austeridade fiscal identificadas com o chamado Consenso de Washington. Para ele, a crise internacional coloca o País diante de duas opções: pisar no freio, elevando os juros e cortando gastos, ou no acelerador.

Para o ex-ministro da Fazenda Mailson da Nóbrega, a recomendação de Strauss-Kahn se aplica aos Estados Unidos, onde a economia está desacelerando. Não é o caso do Brasil, onde o crescimento do consumo preocupa a ponto de o governo haver adotado, na última quinta-feira, um conjunto de medidas para estimular a poupança e conter o crédito. “Os Estados Unidos estão entrando em anemia, enquanto nós estamos com problema de obesidade”, comparou. “O tratamento não pode ser o mesmo.”

“Seria contraproducente para o Brasil aumentar os gastos públicos”, comentou o professor Roberto Iglesias, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro, principal celeiro de economistas do governo Fernando Henrique Cardoso. Na avaliação dele, a recomendação de Strauss-Kahn se dirige a países que têm situação fiscal que permita a ampliação de gastos, o que não é o caso do Brasil. “Temos um problema de estoque, pois nossa dívida ainda é alta, e também um problema de fluxo, porque ainda temos déficit nominal.”

A dívida líquida do setor público brasileiro atingiu R$ 1,150 trilhão ou 42,8% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2007, segundo o Banco Central. “Embora esteja em queda, a dívida ainda está entre as maiores do mundo desenvolvido”, afirmou Mailson. A dívida bruta (que considera também os empréstimos do governo ao exportador, aos agricultores e outros), informou ele, está na casa dos 60% do PIB. Em países considerados grau de investimento, a média é de 30%.

Além de elevada, a dívida segue sendo alimentada pelo desempenho das contas públicas. A arrecadação não é suficiente para fazer frente às despesas do setor público quando se consideram os gastos com juros, o que gera o déficit nominal a que se referiu Iglesias. No ano passado, o déficit nominal foi de R$ 57,926 bilhões, ou 2,27% do PIB.

Por causa da dívida e do déficit nominal, o Brasil não se enquadraria entre os que têm condições de aumentar o gasto público. “Também temos um desequilíbrio na Previdência, e, se forem elevadas as outras despesas, vamos piorar a situação fiscal”, alertou Iglesias.

Elevar os gastos talvez não seja boa idéia nem para os Estados Unidos, segundo o gerente-executivo da Unidade de Política Econômica da Confederação Nacional da Indústria (CNI), Flávio Castelo Branco.

“Pode ser uma solução simplista, que mascara problemas estruturais mais graves da economia.” Ele concorda que a orientação do FMI não vale para o Brasil, até porque o País já tem uma política fiscal expansionista.

Poucos países em dificuldade teriam condições de ampliar fortemente seus gastos, avaliou o economista Fernando Fix, da Votorantim Asset Management. “A Europa tem restrições nessa área, pois a França, a Itália e a Grécia apresentam déficits fiscais altos.” Para Fix, a recomendação do FMI não significa o abandono dos princípios defendidos pela instituição no passado recente. “Há ressalvas importantes”, comentou. A primeira é que a flexibilização da política fiscal seja avaliada de país para país. A segunda é que os governos que a adotarem o façam por período curto. “Do contrário, podemos ter um problema mais adiante”, disse. Ele observa que o corte nos juros promovido para reerguer a economia após a crise da Nasdaq, em 2001, está na base da bolha imobiliária que acaba de estourar.

Nos EUA, ‘heterodoxia’ do Fed põe de lado guerra à inflação

Receita para combater crise combina juro baixo com gasto público elevado

Fabio Graner

“Faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço.” A máxima parece se aplicar aos Estados Unidos de hoje. Ao se depararem com a possibilidade de uma recessão econômica, eles estão deixando de lado totalmente o receituário ortodoxo e partindo para uma política econômica que os desenvolvimentistas brasileiros há anos sonham em implementar: combinação de juros extremamente baixos com uma política de elevação de gastos públicos.

Diante do temor de retração econômica, o Federal Reserve (Fed, banco central americano) abandonou a preocupação com a inflação, que em 2007 atingiu o maior nível em 17 anos, e derrubou os juros. O anúncio ocorreu alguns dias depois de o governo Bush divulgar um pacote de estímulo fiscal de US$ 150 bilhões, até com devolução de dinheiro para os cidadãos.

A receita adotada contraria o que os EUA pregaram como o caminho para o nirvana econômico para os países em desenvolvimento nas últimas três décadas. Por meio de organismos como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e o Banco Mundial (Bird), eles sempre defenderam que os países deveriam adotar políticas de rigor fiscal e não descuidar da inflação.

Para os brasileiros, isso é fácil de lembrar: em 1999, um acordo com o FMI levou o Brasil a adotar metas elevadas de superávit primário (economia para o pagamento de juros da dívida pública) e a implementar o regime de metas de inflação, com uma trajetória rápida de declínio nos índices de preços.

A “heterodoxia” americana não passou despercebida de integrantes da equipe econômica brasileira, que, internamente, comentaram a “contradição” entre discurso e prática das autoridades daquele país.

Também fora do governo essa dicotomia foi percebida.

“A posição dos EUA é exatamente de faça o que eu digo, mas não o que eu faço. O governo americano, tanto pelo lado fiscal como pelo lado monetário, está enfrentando essa crise como se ela fosse causada por um problema localizado, e não por desequilíbrios estruturais que há anos existem por lá”, diz o ex-diretor do Banco Central Carlos Eduardo de Freitas, fazendo referência ao déficit fiscal e, especialmente, ao saldo negativo nas contas externas do país, de 6% do Produto Interno Bruto (PIB).

Para Freitas, as medidas adotadas vão na direção de aprofundar os desequilíbrios e tornar a economia americana mais frágil no longo prazo. “Os Estados Unidos deveriam promover uma diminuição no consumo interno e exportar mais, para diminuir esse desequilíbrio”, afirmou. “Mas uma política de pagar dívida e juros tem um custo elevado. O Brasil fez um ajuste de 6% do PIB em 1982 e o governo militar se desintegrou. Se estou correto em minha avaliação, a política atual dos EUA é populista”, avalia.

CONFIANÇA NO FED

O economista-chefe do Modal Asset Management, Alexandre Póvoa, avalia como razoável a política econômica adotada nos EUA, porque a considera temporária. “Se a política fiscal fosse gerar um déficit de longo prazo, seria ruim. No caso da política monetária, o objetivo é manter ao longo do tempo o equilíbrio entre inflação e atividade econômica. Como algo temporário é válido. Faz parte do arcabouço”, afirma.

Póvoa considera que, diferentemente do Brasil e outros emergentes, os EUA têm mais liberdade para utilizar essa combinação de política econômica por causa da grande confiança que se tem no Fed. “O Brasil ainda está construindo essa confiança e, por isso, tem um grau de liberdade menor.”

Carlos Thadeu de Freitas, também ex-diretor do BC, afirmou que o chamado balanço de riscos nos Estados Unidos hoje está mais para recessão do que para inflação e, por isso, o Fed está agindo de forma mais agressiva. “Uma recessão mais profunda criaria mais problemas. Se houver necessidade, o juro pode subir depois”, diz. “Quando há assimetria de riscos, é preciso afastar o receituário. O Fed pode ser mais arrojado, pois tem mais credibilidade.” Sobre a política fiscal, o economista avalia que, se ela for implementada no tempo correto, poderá ajudar a retirar os EUA da recessão. “Se ela produzir efeito no tempo errado, quando já estiverem saindo da recessão, pode causar problemas, pois levará a uma alta na inflação”, diz. Por essa razão, avalia, o Fed deverá ser “homeopático” na gestão da taxa de juros a partir de agora.

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