terça-feira, 20 de novembro de 2007

Todo camburão tem um pouco de navio negreiro

Por Edergênio Vieira

No dia 18 iniciou-se a Semana da Consciência Negra, que tem seu ponto maior o dia 20 de novembro. Foi neste dia, no ano de 1695, que morreu Zumbi, o líder dos Palmares. A palavra Zumbi vem do africano quimbundo "nzumbi" e significa, a grosso modo, "duende".O quimbundo é uma das línguas bantu mais faladas em Angola, no noroeste desse país, incluindo a província de Luanda.

" A homenagem a Zumbi é mais do que justa, pois este personagem histórico representa a luta do negro contra a escravidão "

A homenagem a Zumbi é mais do que justa, pois este personagem histórico representa a luta do negro(a) contra a escravidão no período do Brasil colonial e também no Brasil de hoje. Ele morreu em combate, defendendo seu povo e sua comunidade. Os quilombos representavam uma resistência ao sistema escravista e também uma forma coletiva de manutenção da cultura africana aqui no Brasil. Zumbi lutou até a morte por esta cultura e pela liberdade do seu povo.

Para nós, militantes do movimento negro, esta data é muito importante, pois serve como um momento de conscientização e reflexão sobre a importância da cultura e do povo africano na formação da cultura nacional. Esta data é o momento propício para denunciar que, passados 312 anos desde a morte de Zumbi, os negros continuam vivendo em situação de exclusão no nosso país.

Mas será que este país é mesmo nosso? Dos braços de Mãe África, nossos ancestrais foram arrancados, trazidos para cá, muitos morreram nos navios negreiros, pelas mãos dos capitães-do-mato, nos troncos e nas senzalas... Se ontem foi o capitão-do-mato, hoje é polícia, ou seja, o Estado que pouco ou quase nada faz para mudar a situação.

" A carne mais barata do mercado é negra, já dizia o poeta. No entanto não encontramos empregos, mesmo tendo qualificação, não somos o 'perfil que o mercado quer' "

A carne mais barata do mercado é negra, já dizia o poeta. No entanto não encontramos empregos, mesmo tendo qualificação, não somos o "perfil que o mercado quer". A um estrangeiro que passe de desavisado no Brasil, pensará que este país e outro. Na TV, nosso rosto quase não aparece, sejam nas novelas ou nos telejornais. E quando aparecemos não se foge dos estereótipos, ou somos serviçais ou somos bandidos.

Passados quase 10 anos após iniciar sua tramitação no Congresso, em 1998, o projeto que cria o Estatuto da Igualdade Racial passa hoje mais um novembro parado e sem perspectiva de votação na Câmara. Prova maior que o mesmo não é prioridade para nenhum governante.

Os negros africanos colaboraram e corroboram muito, durante nossa história, nos aspectos políticos, sociais, gastronômicos e religiosos de nosso país. O dia 20 de novembro é um dia que devemos comemorar nas escolas, nos espaços culturais e em outros locais, valorizando a cultura afro-brasileira.

Vale dizer também que sempre ocorreu uma valorização das personagens históricos de cor branca. Como se a história do Brasil tivesse sido construída somente pelos europeus e seus descendentes. Imperadores, navegadores, bandeirantes, líderes militares, entre outros, foram sempre considerados heróis nacionais. Agora temos a valorização de um líder negro em nossa história e esperamos que em breve outras personagens históricas de origem africana sejam valorizadas por nosso povo e por nossa história.

" O poder público tem a obrigação jurídica de atender os nossos pleitos e ensejar políticas de isonomia "

Neste sentido, há que se ressaltar que passos importantes estão sendo tomados, pois nas escolas brasileiras já é obrigatória a inclusão de disciplinas e conteúdos que visam estudar a história da África e a cultura afro-brasileira.

O movimento negro tem uma missão política a ser cumprida: fortalecer a cultura negra, diagnosticar a exclusão por critério étnico e geracional a qual estamos submetidos(as), a expropriação da educação formal, do mercado de trabalho, da inserção nos espaços de poder.

Ainda, o nosso extermínio antes da reversão destes precedentes. O poder público tem a obrigação jurídica de atender os nossos pleitos e ensejar políticas de isonomia, com os movimentos negros para o homem e a mulher negra. O negro(a) consciente de sua condição social representa uma nova correlação de forças frente ao modelo de Estado inoperante e funcionalista que temos. Que seja do nosso jeito! Porque o reconhecimento e atendimento das nossas demandas, enquanto negros e negras é condição "sine qua non" para arquitetarmos uma sociedade mais justa e igualitária. Salve Ogum e Iansã!

Este texto foi escrito por um leitor do Globo Online.

Edergênio Vieira é escritor, poeta e membro do Movimento Negro de Anápolis

Nenhum comentário: