quinta-feira, 22 de novembro de 2007

França: Estado não lucrará com reforma

Caen : Des centaines de personnes manifestent, le 2 février 2006 dans les rues de Caen, à l'appel de l'ensemble des fédérations syndicales de fonctionnaires pour la défense du pouvoir d'achat. |AFP/MYCHELE DANIAU

AFP/MYCHELE DANIAU


Economista diz que razões de Sarkozy são políticas, não econômicas


O GLOBO ENTREVISTA Jean-Marie Pernot

PARIS. O Estado francês não vai ganhar um centavo com a reforma dos regimes especiais de aposentadoria, diz Jean-Marie Pernot, economista do Instituto de Pesquisas Econômicas e Sociais (IRES), em Paris.

É esta reforma que mobiliza milhares de trabalhadores do setor de transportes na greve que afeta a França há uma semana. Para o especialista, Nicolas Sarkozy vai fundo na reforma por um único motivo: tentar fazer em cinco meses o que seu antecessor não fez em 12 anos.

O GLOBO: A greve nos transportes dura uma semana. O governo diz que não recua na reforma. Qual o risco para Sarkozy se a greve se prolongar?
JEAN-MARIE PERNOT: É provável que a greve não termine amanhã (hoje). Dois ou três dias a mais não pesarão. Se a negociação for mal, e os sindicatos relançam o movimento, há risco de crise.

É preciso esperar até a semana que vem para saber?
PERNOT: Um elemento é certo: o sindicato SUD Rail se recusa a entrar numa lógica de troca. Mas os outros sindicatos aceitam, inclusive a CGT. Para haver o acordo com a CGT será preciso colocar elementos (na mesa).

PERNOT: O que busca Sarkozy? Ele quer mostrar que acabou com os regimes especiais de aposentadoria. O grande risco é que os funcionários partam com uma pequena aposentadoria. Se a base do cálculo das aposentadorias se faz sobre salários mais altos, isso permite amortizar o choque.

Aumento de salário resolve?
PERNOT: Sim. Hoje, a SNCF estabeleceu o seguinte contrato com seus funcionários: você não é bem pago, está disponível 24 horas todos os dias do ano, mas se aposenta mais cedo. A aposentadoria não é alta. Se eles agora não vão se aposentar mais cedo, essa equação precisa ser modificada. Será preciso renegociar o tempo de trabalho nos fins de semana, à noite, nos feriados. Terão que ser remunerados em tempo (de repouso) ou dinheiro.

A greve não é popular. Sarkozy está em posição de força?
PERNOT: A opinião pública não entende aposentadoria depois de 37,5 anos de contribuição (a maioria se aposenta após 40 anos). Mas ao mesmo tempo, não pede para reprimir os grevistas. Se Sarkozy quiser tentar diminuir o peso dos sindicatos, terá a opinião pública contra ele.

Mas se não fizer a reforma, estará em posição delicada, não?
PERNOT: Claro, e é por isso que ele vai até o fim. Ele quer dizer: eu fiz em cinco meses o que Jacques Chirac (ex-presidente) não fez em 12 anos. Ele não se importa com o resto, quanto isso custará à SNCF.

Se ele não se importa com quanto vai custar a reforma, então...
PERNOT: Não há um centavo a ganhar com esta reforma. Há 160 mil funcionários na SNCF, mas há 300 mil aposentados, porque há 20 anos a empresa reduz pessoal. Este desequilíbrio demográfico é compensado pelo Estado, que vai continuar fazendo isso depois da reforma.

É uma reforma política, então?
PERNOT: Sim.

A perda do poder de compra da qual se queixam os funcionários públicos é grande? PERNOT: Sim. Há 20 anos, o salário mínimo do funcionalismo público era 20 vezes maior do que o salário mínimo hoje. Hoje ele vale menos.

Eles têm razão para se queixar?
PERNOT: Há cinco milhões de funcionários públicos na França, entre 22 milhões de assalariados. Todo mundo tem um funcionário público na família. Portanto, o pessoal do setor privado também acha que melhorar o salário de funcionário público o beneficia.

O governo pode dar aumento?
PERNOT: Há um desequilíbrio orçamentário na França. O governo vai alegar que não há dinheiro. Mas os funcionários dizem: Sarkozy achou dinheiro para aumentar seu salário, para dar incentivos fiscais para os mais ricos e para pescadores. Há risco de um diálogo de surdos. A situação orçamentária da França não comporta um aumento de salário dos funcionários públicos. (Deborah Berlinck)

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