quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Evolução da renda real ajuda a reativar economia brasileira

Julio Gomes de Almeida diz que o crescimento do crédito não teve um papel isolado na reativação da economia brasileira. "É muito importante relevar a evolução da renda real da população. A razão disto é que esta variável constitui uma destacada condição de acesso das pessoas ao crédito".


Júlio Gomes de Almeida
Terra Magazine

Redação Terra

Consumo básico é proporcional à renda real da população. Apenas crédito bancário não sustenta o consumo



Muitos analistas destacam o crescimento do crédito ao consumidor como o determinante fundamental da intensa expansão da demanda por bens de consumo. Nenhum reparo deve ser feito a esse entendimento, pois, de fato, o crédito concedido pelos bancos às famílias vem crescendo nesse ano a uma taxa real próxima a 20% relativamente ao ano passado. Isso vem dinamizando setores industriais inteiros que, do contrário, estariam em situação muito difícil em razão da valorização cambial. Os recordes de vendas de automóveis, de produtos da "linha branca" e de móveis têm inteira correspondência com essa reativação do crédito.

Outros setores também se beneficiam como é o caso da construção habitacional. A ampliação dos prazos dos financiamentos já permite uma maior aproximação entre os valores dos aluguéis e das prestações dos financiamentos, o que concede ao setor um grande incentivo. Portanto, não deve ser subestimado o papel do crédito, especialmente para as famílias, no atual contexto de reativação da economia brasileira.

Porém, uma indagação muito importante diz respeito aos fundamentos desse processo. Nesse sentido é muito importante relevar a evolução da renda real da população. A razão disto é que esta variável constitui uma destacada condição de acesso das pessoas ao crédito, assim como o principal fator que evita a inadimplência nos financiamentos. Ou seja, o rendimento real é a condição para "entrada" e para a "saída" das pessoas ao crédito, amparando a sua reprodução.

É claro que o pano de fundo de tudo isso é uma maior disposição do sistema bancário em ampliar suas operações creditícias, já que nessa área, os retornos são especialmente atraentes, dado o elevado "spread" cobrado pelas instituições financeiras. Mas, tal desejo de ampliação esbarraria em limites cadastrais e em uma crescente inadimplência, caso não fosse acompanhado de um crescente rendimento da população. A renda real também é em si um determinante destacado do consumo corrente, pois define o poder de consumo que se dirige diretamente para a aquisição de determinados bens, notadamente os de "primeira necessidade".

Como está evoluindo o rendimento real médio das pessoas ocupadas? Um breve retrospecto do comportamento da renda do trabalhador mostra duas etapas muito claras nos últimos doze meses. Desde outubro de 2006, seu crescimento teve expressiva elevação que se sustentou por cerca de oito meses. Nesse período, o aumento situou-se entre 4% e 5% com relação ao mesmo mês do ano anterior. Dado um aumento médio do número de pessoas ocupadas em torno a 3%, isso permitiu que a massa real de rendimentos crescesse em termos também anuais entre 7% e 8,5%. Daí a base elástica do crédito a que nos referimos.

Uma observação relevante é que mesmo na ausência da forte ampliação do crédito, esta elevada expansão da massa real de rendimentos por si só já seria um condicionante do bom desempenho do mercado consumidor interno. Não é por acaso que certos segmentos industriais como alimentos, bebidas, e a indústria farmacêutica tiveram significativa aceleração de crescimento no decorrer de 2007.

Desde meados do ano, no entanto, esse quadro teve progressiva deterioração, com taxas cada vez menores de variação do rendimento real. Assim, de uma média próxima a 5% de aumento, o rendimento passou a crescer em torno a 2,5% em junho e julho, 1,2% em agosto, 2,7% em setembro e 1,2% em outubro, sempre na comparação com o mesmo mês do ano anterior. Se tomarmos a média do último trimestre, a variação alcançou 1,6%, ou seja, cerca de um terço do que chegou a ser nos meses de maior evolução. Com isso, dado que o aumento do emprego se manteve na faixa de 3%, a massa real de rendimentos, vale dizer, a base do mercado interno consumidor e o pilar para a multiplicação do poder de compra através do crédito, cresceu em média 4,6%.

Este ainda pode ser considerado um índice bom, mas indubitavelmente é bem inferior ao que foi no passado recente. Mais importante, todavia, são os desdobramentos desse processo. O movimento é de queda, não havendo ainda sinais de que tenha chegado ao seu limite mínimo. Dependendo da evolução do rendimento real da população nos próximos meses, teremos uma visão mais clara das tendências do mercado interno consumidor. Por enquanto, não é possível afirmar categoricamente que a pujança do consumo familiar verificada em 2007 será repetida no ano que vem.


Júlio Gomes de Almeida é professor da Unicamp e ex-secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda.

Fale com Júlio Gomes de Almeida: jgomesalmeida@terra.com.br

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