terça-feira, 20 de novembro de 2007

Dia da Consciência Negra: 'Há quem negue a questão racial'

Historiador vê recuo no debate intelectual sobre o assunto, embora o Brasil tenha evoluído na adoção de políticas públicas

Clarissa Oliveira - O Estado de São Paulo

Se por um lado o Brasil avançou no tratamento da questão racial com a implementação de políticas públicas, por outro o País vive um recuo no debate intelectual que cerca o tema. A avaliação é do historiador e escritor Joel Rufino dos Santos. Autor de vários livros sobre racismo entre mais de 30 títulos publicados, ele diz ver crescer na classe intelectual a negação do racismo como forma de justificar uma posição contrária a políticas como a de cotas para negros nas universidades.

O Brasil avançou na questão racial nos últimos anos?

A questão racial está na pauta e não vai sair tão cedo. É positivo. Mas o outro lado da questão é o que não mudou, como a discriminação no mercado de trabalho. Os salários, em média, baixam 50% quando um negro vende a mão-de-obra. E o que piorou, a meu ver, é a incompreensão dos intelectuais. Como o assunto é um divisor de águas, vejo um recuo. Hoje, há quem negue a questão racial no Brasil.

Onde esse recuo aparece?

Vimos um grupo de professores universitários lançar um manifesto em que negam que houvesse racismo no Brasil.

O sr. é a favor das cotas?

Acho que o sistema é um avanço, embora aqui e ali tenha problemas. Ele vem dentro da assistência compensatória, da ação afirmativa que, a meu ver, são positivas. Mas, na hora de executar, saem alguns feridos, como aqueles gêmeos.

Como o sr. vê a tese de que se trata de uma discriminação?

Não concordo. Discriminação, racismo e preconceito - que são três coisas diferentes, mas a gente usa como uma só - existem sim no Brasil. Esse movimento não nasceu ontem, não tem um mês ou um ano. Se há cerca de 100 anos os negros lutam contra o racismo é porque há o racismo. Esta é a prova.

Como o sr. avalia a política do governo na titulação de terras de quilombos?

É a mesma situação. O reconhecimento de remanescentes é justo. Está na Constituição. Mas aqui e ali se comete exageros. Em princípio, todo mundo seria a favor, mas vemos pessoas contrárias em função desses exageros.

A quem cabe coibir exageros?

Toda a sociedade deveria saber que há comunidades negras que estão aí há mais de 50 anos e não têm títulos de propriedade. Em segundo lugar, o Estado brasileiro precisa aperfeiçoar instrumentos para executar leis e os fundamentos das leis que estão na Constituição. É uma luta de todos e não é só na questão do negro.

O que ainda falta fazer?

A titulação dos remanescentes ainda está pendente. Caminhou, mas falta muito. E a questão da proteção do negro contra a violência racista. Eu citaria ainda um terceiro ponto: o estudo da África e do período escravista na formação da sociedade brasileira.

Quem é: Joel Rufino

É historiador, escritor e professor de Letras da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

É autor de mais de 30 livros, que variam da literatura infantil à questão racial. Entre eles, O que é Racismo e Gosto de África.

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