terça-feira, 27 de novembro de 2007

É "correção" ou é "ladeira"?

VINICIUS TORRES FREIRE


Estresse financeiro cresce sem parar desde outubro, com agravantes, e já bate em vários mercados do Brasil

É UM risco-país mais alto aqui. É um financiamento de comércio exterior mais caro ali. Acolá uma dúzia de empresas desiste de ir à Bolsa, para vender suas ações. Ou empresas menores deixam de tomar dinheiro emprestado lá fora, pois as taxas aumentaram um tanto, o bastante para encarecer demais o dinheiro para companhias que não têm crédito nota 10 e/ou que são novatas nas ditas captações.
Não é nada dramático, ainda mais num país que já viu seu crédito ficar cinco ou dez pontos percentuais mais caro de um trimestre para outro. Agora se trata de deterioração menor que um ponto percentual, meio ponto, para usar um indicador popular como o risco-país.
Mas o "estresse" financeiro agora já pode ser sentido e ouvido em vários mercados brasileiros, os mais óbvios sendo o da Bolsa e o de câmbio, as trincheiras mais avançadas, sensíveis e voláteis. Diretores e gerentes de investimento dizem que, embora não seja momento de entrar em Bolsa, Bovespa e real não rolariam a ladeira, dadas as previsões de lucros das empresas para 2007, em linha com as deste ano, dado o superávit externo ainda resistente em 2008, dados a perspectiva de "investment grade", a inflação ainda abaixo da meta, o crescimento do PIB duas vezes maior que o do americano e mesmo apesar do risco de "surto desenvolvimentista" no governo (mais gastos públicos, menos superávit, mais "pressão" sobre a autonomia do Banco Central).
Seria interessante se o mundo funcionasse assim, em especial o das finanças, racionalmente, "olhando fundamentos". De resto, mesmo quem tem a obrigação de tranqüilizar o ambiente, como Henrique Meirelles, o presidente do Banco Central, tem colocado suas barbas, ou melhor, seus cabelos restantes, de molho, em discursos cada vez mais cautelosos. Mas os indicadores objetivos de "estresse" no mercado financeiro global, embora sempre voláteis, estão em alta teimosa.
Os bancos assumem rombos cada vez maiores, o que mina sua capacidade de emprestar, e as taxas de juros interbancários estão renitentemente mais altas do que o normal e subindo, desde outubro, o que afeta as demais taxas. Os BCs de EUA e União Européia vão, de resto, colocar um dinheiro extra nos bancos a fim de "desestressá-los" um tantico.
A crise americana segue seu padrão "slow motion", mas segue, como uma enchente vagarosa. A cheia começou nos calotes dos imóveis vendidos para gente sem crédito e aguou os derivativos de crédito lastreados em hipotecas, daí afogou mercados de crédito de curto prazo para empresas e instituições financeiras, daí bateu no dinheiro que alavancava fusões e aquisições (e nas Bolsas do mundo rico) e já deteriora o crédito nos mercados de cartões e de empréstimos para compra de carros, o que estressa o consumidor e desanima o varejo. Enfim, o Dow Jones e o S&P 500, índices da Bolsa de Nova York, estão, em termos reais, zerados em 2007.
Os mercados brasileiros andaram descolando dos americanos neste ano, apesar de um ou outro tombo feio, mas até rápidos. Mas, mesmo que o "mau humor" não volte a ser dramático ou histérico, o "estresse" financeiro agora sugere uma crise de mau humor mais persistente.

Folha de São Paulo

vinit@uol.com.br

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