quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Sucessão de Lula se insinua na negociação da CPMF

Valor

Não apenas o governo tem necessidade e urgência de fechar uma negociação com o PSDB para prorrogar a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF). O tributo tem mostrado enorme potencial desagregador também na oposição. No Senado, teve o poder de afastar o PSDB do arquialiado DEM, que fechou questão pela rejeição da emenda - se aprovada, manterá até 2011 aquele que seria conceitualmente um ônus provisório nas transações bancárias. E desde o final da semana passada a divisão interna dos tucanos em torno da contribuição aparece límpida e cristalina nas páginas dos jornais.


Os governadores José Serra (SP) e Aécio Neves (MG), presidenciáveis tucanos, autorizaram a cúpula do partido - o presidente, Tasso Jereissati, o vice, Sérgio Guerra, e o líder no Senado, Arthur Virgílio - a negociar uma "proposta concreta". Parece ser esse o caminho tomado pelos dirigentes, já que ontem Jereissati anunciava como "radicalização" a pressão sobre o governo para que este apresente "proposta sólida, de impacto", para compensar a CPMF. A "radicalização" pode ser entendida como seu oposto: disposição de conversar, na medida em que, diferente do DEM - que não admitiu qualquer diálogo -, o PSDB aceita, sim, discutir uma "proposta de impacto". Mas a posição é divergente da alardeada pelo vice-líder, Álvaro Dias (PR), como sendo a de 10 dos 13 senadores do PSDB, que querem rejeitar a CPMF.


O que faz a cúpula do PSDB acenar com uma posição conciliatória, mesmo não representando a maioria da bancada? Esse mistério é resolvido com uma simples consulta à CNT/Sensus de outubro. São os tucanos Serra e Aécio os favoritos na disputa de 2010 para a Presidência. Apenas Ciro Gomes (PSB-CE) passaria discretamente à frente se fosse disputar com Aécio Neves. Em todas as simulações, Serra se apresenta como o melhor candidato. Isso quer dizer que Lula deve sair do cargo com boa popularidade, mas não conseguirá transferir votos para um candidato da base. A posição de Ciro pode ser atribuída ainda ao recall da disputa de duas eleições presidenciais.


Hoje, o cenário forte para 2010 é a vitória de um candidato tucano. A prorrogação da CPMF proposta pelo governo vai até 2011, quando o novo presidente já teria assumido e procedido às negociações com o Congresso para extinguir, manter ou substituir o imposto. Se agora o PSDB optar por uma negociação de redução gradual da contribuição, de tal forma que ela seja muito menor em 2011, o sucessor de Lula assumirá o país com uma arrecadação, em tese, sensivelmente menor. Isso move o governador paulista, por exemplo, a sustentar que, "comparando com os outros [impostos], [a CPMF] é o menos pior". Talvez por isso, na convenção estadual do partido, o ex-governador Geraldo Alckmin tenha radicalizado em direção oposta: manter uma faixa própria de liderança no diretório paulista é fundamental para que sobreviva, e só conseguirá isso se radicalizar e rivalizar com Serra, que hoje prefere ser oposição morna - para um candidato a presidente, usar de radicalismo para disputar com Lula, que é popular, não é um bom caminho, como ensinaram, aliás, as eleições de 2002.


Esse é o espaço que o governo tem para negociar com os tucanos. Mas apenas conseguirá isso se ele próprio, governo, não radicalizar. Não tem sido a melhor das estratégias botar os ministros na linha de frente, com o discurso "ou a CPMF ou o caos". Com o aumento cada vez maior da arrecadação, não é o caos nem impossível pelo menos uma redução gradual da contribuição. E não é uma boa idéia colocar o PSDB como refém do discurso do caos - as pressões têm várias contra-indicações, inclusive a de ter o potencial de fazer os tucanos mudarem de idéia. Seria mais inteligente acenar com uma proposta consistente de desoneração tributária, que seja uma saída para o PSDB que negocia. Assim, os tucanos poderiam manter-se discretamente como oposição, mas sem fazer marola, esperando as próximas eleições presidenciais. Isso pode ser bom para ambos, mas nem tanto para o país, que há anos houve o discurso do imposto "menos pior" - enquanto eles se empilham - sem que o Congresso e as unidades federadas se debrucem seriamente sobre uma reforma tributária, que tire da agenda política os impostos "menos piores" e dote o país de tributos melhores.

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