quarta-feira, 24 de outubro de 2007

Especialistas: cidades podem ficar ingovernáveis

Crise nas metrópoles brasileiras domina o primeiro dia da reunião anual da Anpocs, em Minas

Chico Otavio
Enviado especial

O Globo

CAXAMBU (MG). Um diagnóstico sobre as cidades brasileiras, que acumulam os efeitos mais dramáticos da crise social do país, ocupou ontem dois seminários no primeiro dia do 31º Encontro Anual da Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais (Anpocs). Os participantes alertaram que o atual modelo produtivo — que protege o emprego qualificado, criando guetos urbanos de classe média alta, e estimula a informalidade, entregando as áreas carentes ao “controle do mercado local” — mantém intacto o nível de desigualdade nas grandes metrópoles e aponta para um quadro futuro de ingovernabilidade.

Os dois seminários, “A Metrópole e a questão social” e “Cidades: perspectivas e interlocuções nas ciências sociais”, mostraram as contribuições que cientistas políticos, antropólogos e sociólogos podem oferecer para o debate sobre as cidades brasileiras. O professor Luiz César Queiroz Ribeiro, da UFRJ, disse que a gestão das metrópoles do país está à deriva, uma vez que os governos municipais, estaduais e federal não se integram e raramente acertam ações coordenadas. — São João de Meriti, na Baixada, concentra o mais alto índice de poluição do ar entre os municípios fluminenses. Porém, quem está produzindo esse gás carbônico é o Rio. Portanto, é impossível para a Prefeitura de São João pensar em qualquer alternativa para enfrentar o problema se a ação não envolver o Rio — disse.

O Brasil tem hoje 15 grandes aglomerações urbanas exercendo um papel de articulação, diferentemente de países vizinhos, que abrigam uma única grande metrópole cada um. Há, segundo os pesquisadores, uma relação entre potencial econômico e aglomeração urbana (a metrópole representa consumo, força produtiva e inovação). Segundo eles, isso tem sido um ativo, do ponto de vista do desenvolvimento nacional, ao mesmo tempo em que é um grande problema. — É também um passivo. As grandes cidades são o coração da problemática social no Brasil. Parte desses passivos é herdada do modelo anterior, que combinou um grande salto econômico com desigualdade — disse Luiz Cesar.

Os participantes lembraram que, no novo modelo de desenvolvimento, o mercado de trabalho está cada vez mais segmentado. Hoje, a qualificação protegida caminha lado a lado com a economia da informalidade. Ao ficarem entregues à regulação do mercado, esses lugares são cada vez mais um território livre para o narcotráfico e as milícias. A discussão sobre cidades foi um dos temas do primeiro dos três dias de debates na Anpocs em Caxambu, no Sul de Minas. O evento terá este ano 35 seminários temáticos, 26 mesas-redondas, 11 conferências, nove sessões especiais e quatro cursos sobre diversos temas, da crise de representação política às mudanças climáticas, incluindo os já tradicionais debates sobre gênero, sexualidade e violência.

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