segunda-feira, 23 de julho de 2007

Se todas medidas do Conac forem implantadas teremos um novo perfil na aviação comercial

Medidas podem redesenhar o quadro das empresas aéreas. Veja como poderá ser o este novo cenário

*Cláudio Magnavita

Dentro de 50 dias o cenário da aviação comercial brasileira deverá mudar. As restrições impostas pelo Conselho Nacional de Aviação Civil (Conac) fará retornar o modelo que existia no final dos anos 1980 e no início dos anos 1990, o que representa um reajuste do atual cenário e o surgimento de oportunidades de mercado que não estavam previstas ou até mesmo planejadas há duas semanas atrás.

Em todas as pesquisas de marketing no setor aéreo, dois itens são sempre apontados como prioritários: segurança e pontualidade. Nos últimos 12 meses a aviação comercial começou a perder esta referência. O mais assustador é que este sentimento, que é motivador central do usuário do transporte, acabou migrando de forma paradoxal para o ônibus. Na cabeça do passageiro, principalmente para distâncias suportáveis, como Rio-São Paulo, viajar de ônibus virou sinônimo de sair na hora certa e chegar com segurança. Isso pode ser detectado no crescimento de 148% no tráfego de passageiros entre as duas maiores cidades brasileiras nos últimos 30 dias.

As restrições impostas às operações em Congonhas nos próximos dias, que obriga à operações ponto a ponto e à redução do tamanho das aeronaves, mudará drasticamente o perfil do usuário do aeroporto e, por outro lado, promoverá uma modificação radical na atuação de mercado, que passará a ser dividido em cinco fatias: transporte de longo curso (vôos intercontinentais), internacional regional, transporte nacional, ponte aérea e aviação comercial. A transferência do tráfego doméstico para Cumbica, a exigência da existência de aeronaves e tripulações reservas, mexerá profundamente no custo das empresas, fazendo subir o valor operacional e terá reflexo inclusive na valorização das ações, que após o acidente em Congonhas já assinalavam uma perda de 10%.

Na prática, retorna o modelo de duas décadas atrás, quando Cumbica foi inaugurado, em 20 de janeiro de 1985, e todos os vôos nacionais foram transferidos para o primeiro terminal. Só que em 1985 o tráfego internacional estava na mão de empresas de bandeira brasileira e hoje o cenário é bem diferente.

ROTAS INTERNACIONAIS DE LONGO CURSO -A crise da Varig acabou transferindo para as companhias estrangeiras o fluxo de passageiros estrangeiros. Focadas em São Paulo, com exceção da TAP, as européias e norte-americanas souberam ocupar rapidamente a lacuna de mercado, não só aberto pela paralisação dos vôos da Varig, mas ainda no início do processo de deterioração de serviços. Hoje, British, American, United, Delta, Air France e JAL oferecem um produto muito superior, tanto na qualidade das suas aeronaves, quanto no conforto da executiva. Foram colocados em operação no Brasil aviões maiores e com equipamentos de última geração. A absorção no tráfego internacional de business foi intenso e São Paulo (capital e interior) chega a representar 65% do faturamento das internacionais. A TAM, para ocupar o mercado, chegou a incorporar um MD-11 que tinha pertencido à própria concorrente, despadronizando a sua frota de Airbus e estará incorporando novos Boeings 777. As nacionais, além de terem o mercado nas mãos das estrangeiras, são obrigadas a pesados investimentos para terem um produto competitivo. Este é um segmento que será beneficiado com conexões da transferência de vôos, que ganharam maior alimentação. O Governo peca em achar que irá forçar, nos novos acordos bilaterais, as estrangeiras a escolherem outros aeroportos além de Cumbica, já que foram congeladas as atuais posições. Quem quiser voar para o Brasil terá de escolher outro destino. Poderá trazer benefício para o Rio, já que os dois terminais estão sub-utilizados. O projeto original do Galeão prevê dois novos terminais, além dos dois já inaugurados.

ROTAS INTERNACIONAIS REGIONAIS- Mercado caracterizado pelos vôos dentro da América do Sul e operados com aeronaves menores. É o que menos sofre alteração, já que as ondas de conexão já operam com vôos alimentados pelas rotas de longo curso, principalmente realizando transporte da Europa e Estados Unidos para a Argentina. Os vôos para Caracas, Bogotá, Lima, Santiago, Buenos Aires e Montevideo já estão sendo disputados pela TAM e Varig/GOL. Um mercado liderado pelas nacionais, que hoje possuem mais fôlego financeiro e operacional do que as concorrentes do continente.

ROTAS NACIONAIS - Este será um ponto franco, já que a atual frota das empresas brasileiras foram estruturadas para aeronaves de 180 lugares, como os 737-800 e os Airbus 320. São aviões de grande capacidade e perdem a alimentação do tráfego de ponte aérea, que estava funcionando em um aeroporto único. Na década de 1980 este mercado era dividido entre três empresas. A Transbrasil, com uma forte atuação no Nordeste, a Vasp no Norte, parte do Nordeste e Centro-Oeste e a Varig no Sul. A grande questão é se para rotas entre São Paulo e o Nordeste, as aeronaves não estarão superdimensionadas. A malha intermediária, fora dos horários de conexões das internacionais, que dependem de um tráfego normal, raramente conseguem ocupação superior a 60% com uma oferta de assento atual. É um segmento que sofrerá a concorrência do ponto a ponto que será praticado em Congonhas. Uma empresa que atue em quatro segmentos de mercado (com exceção do regional) terá de ter quatro gestões diferentes de frota, cada uma dimensionada para o mercado. Ao lado deste tráfego nacional deverá ser somado os vôos charteres, que passarão a sair exclusivamente de Cumbica, sendo vetado em Congonhas.

ROTAS PONTO A PONTO- O tráfego de Congonhas terá de ser obrigatoriamente realizado por aviões que partem e retornam ao mesmo destino. Um conceito de ponte aérea e com aviões dedicados. Durante a crise dos últimos meses, a Nova Varig foi campeã de pontualidade por ter adotado este esquema em Congonhas. Dois 737-300 dedicados à rota CGH-BSB-CGH. Dois voando entre CGH-POA-CGH. Quatro e às vezes até seis na ponte aérea para o Santos Dumont. Os vôos permitem conectividade entre eles, ou seja, o passageiro desembarca do Santos Dumont e segue para Porto Alegre, Curitiba, Belo Horizonte, Florianópolis ou até Brasília. O limite de peso estabelecido de 59 toneladas restringe este mercado para os 737-300, Airbus 319, Fokker 100 e para os Embraer 190. A TAM poderá rever a devolução dos seus F100 que poderá voltar a ser o jato de Congonhas. Na aposta das companhias em aviões grandes, no caso da GOL os 737-800 e da TAM os A320, cria-se uma frota majoritariamente inadequada para este aeroporto central. No caso da empresa de low-cost como a GOL, este perfil de operação não segue a linha de aproveitamento de rotas multidestinos, com vôos que começavam no Norte e iam até o Sul do país. Um agravante é o erro de Congonhas não ter capacidade de ter em seus fingers para os 737-800 Next Generation. Os aviões com a ponta da asa maiores não cabem entre uma posição e outra e são obrigados a pararem sempre na área remota ou apenas na posição 12. O investimento foi realizado sem planejar os aviões de nova geração. É neste nicho que poderá surgir uma empresa que poderá ter até 20% do mercado. As encomendas realizadas pela BRA do Embraer 190 a deixam pronta para este segmento, da mesma forma que a Ocean Air, com os Fokker 100 também poderá atuar no ponto a ponto. Os acionistas da GOL poderão focar esta operação coma bandeira Varig, transferindo rapidamente a frota de 737-700 e 737-300 que ainda usa e ganhar um espaço de mercado usando a força da marca, da fidelização do Smiles, no tráfego executiva, que tem todo o perfil, tanto que a empresa já tinha a sua rota doméstica dentro deste padrão, ou seja, a Varig é a única empresa que não precisará esforço operacional para se transformar rapidamente na empresa de Congonhas. Por ironia do destino poderá usar a mesma fórmula que deu origem à TAM para se reerguer mais rapidamente do que poderia prever. Comprada para ser a empresa de longo curso do acionista, poderá ocupar este nicho de mercado que não constava do planejamento original. A empresa ganha folgadamente no quesito pontualidade e segurança na visão do passageiro, principalmente do passageiro de negócios.

ROTAS REGIONAIS-O surgimento de novos horários em Congonhas trará de volta a aviação regional que utiliza aeronaves de pequeno porte: os F50, Embraer, ATRs, que enfrentavam dificuldades para conseguir slots em Congonhas, que estavam ocupados pelas gigantes do setor. Trata-se de uma aviação que estava obstruída neste aeroporto e poderá ser uma grata surpresa. O mesmo poderá ter reflexo no novo Santos Dumont, liberado para aviões de 50 lugares. A própria GOL tem projeto para a sua empresa regional que deverá ser colocado em prática. A Total Lnhas Aéreas é a única que está pronta para começar a operar com os ATRs em Congonhas, inclusive com o ATR 170, que permite até 70 passageiros. A noticia das mudanças de Congonhas foram efusivamente festejadas por este segmento. (CM)

PROBLEMAS À VISTA

1. Liberação dos espaços sub-júdice no aeroporto de Cumbica para ampliar a capacidade de atendimento, que já estão congestionados. Hoje a TAM e GOL possuem menos balcões do que necessitam para o atual volume de passageiros. Se for colocado em prática, o crescimento do tráfego deverá ser de 40%.

2. Congestionamento nos finais de semana, devido à concentração dos vôos charteres, que eram feitos em Congonhas, exatamente porque sábado e domingo é reduzido o volume do passageiro corporativo. Aproveitava-se uma ociosidade das posições de atendimento.

3. Agilização dos serviços de Policia Federal (imigração) que é hoje um dos grandes gargalos de Cumbica. Existem casos que entre controle de passaporte e alfândega o passageiro perde até duas horas, o que inviabiliza as conexões domésticas, geralmente programadas para 60 ou 90 minutos a partir do momento de desembarque.

4. Em Cumbica sobram pista e pátio para aeronaves e faltam condições nos dois terminais que estão colapsados por falta de posições de atendimento e serviços básicos.

5. Já estava em fase de redação o edital para o terceiro terminal de Guarulhos. Com área pronta e custos já orçados. Para a obra começar só falta iniciar o processo de licitação, que deverá praticamente dobrar a capacidade dos terminais, devido às novas tecnologias e projeto.

6. Sistema de interligação do Metrô ao terminal de Guarulhos, que a exemplo dos aeroportos internacionais facilitaria o acesso. Hoje, um táxi dos Jardins para o Terminal chega a custar mais do que algumas passagens promocionais.

7. Antes da criação da Infraero, o Galeão era gerido pela Arsa, uma estatal independente e que poderia servir de modelo para a gestão do próprio Galeão e Guarulhos, que passariam a ser novamente empresas desdobradas da Infraero. Caberia à estatal os aeroportos menores e menos lucrativos.

8. O anunciado terceiro aeroporto de São Paulo é obra para no mínimo seis anos, ou seja, o abacaxi será entregue ao próximo Governo.

*Cláudio Magnavita é presidente da Associação Brasileira de Jornalistas de Turismo (Abrajet), membro do Conselho Nacional de Turismo, diretor do Jornal de Turismo e apresentador da TVJB.

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