domingo, 29 de julho de 2007

"Pesquisa não revela ameaça à popularidade de Lula"

Rosa Costa, BRASÍLIA

O Estado de São Paulo

O desgaste do governo federal com o apagão aéreo será tanto maior quanto mais tempo o setor ficar sem soluções concretas e a crise permanecer nas manchetes dos jornais. Mas a figura do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por causa do tipo de público que usa transporte aéreo, tende a ser protegida.

As avaliações são do diretor do Instituto Vox Populi João Francisco Meira, que, em entrevista ao Estado, revela que foi feita pesquisa em São Paulo, três dias após o acidente com o avião da TAM, no cenário da tragédia. "Os resultados não ameaçaram a popularidade do presidente na capital. Houve uma queda, mas não muito grande", afirma, sem dar mais detalhes.

Meira não vê relação entre as vaias ao presidente e o apagão aéreo, apesar de assessores petistas terem entendido a reação como uma resposta ao caos nos aeroportos. Avalia que o colapso na aviação repercute menos contra Lula do que o quase apagão elétrico no governo de Fernando Henrique Cardoso (1995-2002), que atingiu toda a população. "Embora seja um meio de transporte usado pelas classes A,B e C, a aviação está longe de ser um transporte de massa."

O senhor vê relação entre as vaias ao presidente Lula na abertura dos Jogos Pan-Americanos e no Nordeste e a crise do apagão aéreo?

Aplaudir ou vaiar é do jogo. Vaia no Rio tem um sentido cultural, não tinha ainda nenhuma implicação maior. E nos Estados é um gesto de funcionários públicos em greve e de estudantes fazendo manifestações.

Essas vaias vão ter reflexo na próxima avaliação da popularidade do presidente?

Já ouvi vaias ao Juscelino, ao Jânio, ao Jango, já ouvi vaias para todos os presidentes. Só não tomou vaia quem nunca se expôs ao público, como os dirigentes da ditadura militar. Alguns foram até aplaudidos. Vaiar ou aplaudir é do jogo da política. O que não quer dizer que os níveis de popularidade do presidente são imóveis. Há amplos setores da opinião pública que, hoje, não estão contentes nem com o presidente nem com o governo.

A que o senhor se refere quando fala em amplos setores?

Além de relevantes estatisticamente, são pessoas que têm capacidade de expressar esse descontentamento, têm acesso aos meios de comunicação e, portanto, são capazes de sinalizar esse descontentamento de uma forma mais expressiva. Isso pode, com o tempo, se disseminar. Mas isso tudo é relativo porque também o governante e o governo reagem a isso tomando medidas aqui e ali em função dessas coisas. Há uma dinâmica aí que nem sempre é muito previsível. Não quero dizer que vai ficar assim, o que eu quero dizer é que vai demorar a mudar e não será por esses indicadores que hoje estão aí, que são insuficientes.

O acidente com o Airbus da TAM, que expôs ainda mais a crise aérea, afetará a popularidade do presidente Luiz Inácio Lula da Silva?

Essa hipótese não está provada nem negada. Não existem ainda dados consistentes a respeito disso. A única evidência foi uma pesquisa feita na cidade de São Paulo três dias após o acidente, no cenário do acidente, com a população extremamente impactada com isso. Mesmo assim, os resultados não ameaçaram a popularidade do presidente na capital; houve uma queda, mas não muito grande. A questão do acidente em si provoca comoção, emoções, sentimentos fortes, mas não necessária e diretamente contra o governo.

Se a crise continuar, com os aeroportos superlotados, a classe média sem condições de planejar viagens, isso pode reduzir a popularidade do presidente?

Acho que a popularidade pessoal do presidente está ligada à capacidade percebida de resolução de problemas que começam com as desigualdades sociais, que passam pela questão da estabilidade econômica, do desenvolvimento e questões específicas como criminalidade, saúde, habitação, questões de infra-estrutura, inclusive a crise aérea. A avaliação que o eleitor faz é ampla e leva muitas coisas em consideração. Evidentemente que, se esses problemas da infra-estrutura e do sistema aéreo continuarem nas manchetes como algo que incomoda e sem solução à vista, isso cria o desgaste, não a ponto de desestabilizar o governo, mas é claro que cria o desgaste.

O senhor nota alguma relação entre o apagão aéreo e a crise no sistema elétrico que abalou a popularidade do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso?

São coisas muito diferentes, os públicos atingidos são completamente diferentes e os efeitos são muito diferentes também. Eu acho que nós temos aí duas questões: primeiro, não temos, ainda, dados suficientes para medir direito os efeitos da crise aérea. Nessas circunstâncias, sob forte comoção, não é recomendável você fazer pesquisas e tirar conclusões que possam ser duradouras. A crise do setor elétrico atingiu todos, praticamente 100% da população. Já no transporte aéreo, embora seja hoje um meio de transporte amplamente utilizado pelas classes A, B e C, está longe de ser um transporte de massa que atinja a população do País como um todo, inclusive do ponto de vista da dispersão. Está muito concentrado em um certo número de cidades. Então, atinge de forma direta uma parte muito menor da população.

Há no País outro governante que tenha conseguido manter esse distanciamento entre a sua figura e o governo, em questão de avaliação pública?

Do ponto de vista de pesquisa de opinião pública, dificilmente, porque nós não temos uma trajetória assim tão longa. Nos presidentes pós-democratização certamente as relações entre presidente e governo ficavam muito evidentes. Eu vejo uma diferença em relação ao presidente Fernando Henrique, que era uma coisa meio contrária, as pessoas não gostavam muito dele, mas gostavam do governo. Acabou acontecendo o inverso. A popularidade dele era menor do que o governo. Esse descolamento - um presidente bem e um governo mal - não me recordo em termos de pesquisas de alguma coisa parecida.

Há com quem se comparar em outros países?

Há um caso, talvez, parecido. Acho que o presidente Lula lembra um pouco a figura de Nelson Mandela (ex-presidente da África do Sul). Ele teve seus problemas, um governo complicado, e no entanto ele se manteve. Uma coisa interessante é que, tendo chance de disputar a reeleição, preferiu não fazê-lo. Então tem hoje uma autoridade moral e política na África que ultrapassa os limites de seu país.

O senhor acredita que seria diferente se ele tivesse mais um governo?

O fato de ele não ter disputado a reeleição foi uma questão política interna. Ele tinha controle e ascendência sobre seu partido, mas preferiu agir assim. Eu não diria que Lula errou ao se candidatar à reeleição, mas os problemas que isso gera são de quem está há muito tempo no poder.

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