sexta-feira, 20 de abril de 2007

Candidato governista domina corrida eleitoral na França

ANDREA MURTA
da Folha Online

O candidato conservador, Nicolas Sarkozy, 52, dominou o cenário da disputa eleitoral pela Presidência na França, na opinião do especialista Pepper Culpepper, professor da Universidade de Harvard e autor de vários livros sobre a política européia, entre eles "Changing France" [A França em Mudança].

21.fev.2007/Reuters
Para ele, Sarkozy é "dinâmico e articulado", e conseguiu se apresentar como o "candidato da mudança" --apesar de ter participado do governo atual durante todo o tempo [foi ministro do Interior até recentemente, quando renunciou para se candidatar à Presidência]. "Essa eleição se transformou numa disputa entre os que são contra e a favor de Sarkozy. Ele dominou a corrida eleitoral", afirmou Culpepper em entrevista por telefone à Folha Online. Ele comentou ainda a ascensão do candidato de centro, François Bayrou, que foi vista como uma surpresa na França, e a divisão dos partidos de esquerda na França que, para ele, é um "grande problema", que já existia antes mesmo da candidatura de Ségolène Royal. Na opinião de Culpepper, a globalização será o temas que mais influenciará os franceses na hora de ir às urnas. "Basicamente, os franceses estão preocupados em saber como o governo pode lidar com o crescimento dos mercados globais", diz ele. Outros temas importantes devem ser a imigração, a integração à União Européia (UE), a economia e o desemprego. Leia a íntegra da entrevista concedida à Folha Online. Folha Online - Na opinião do sr., o que marca a disputa presidencial de 2007?Pepper Culpepper- Essa eleição começou como uma disputa na qual todos os candidatos se apresentavam como uma ruptura com o passado. Isso levou a características inesperadas. A primeira delas é a subida do candidato de centro, François Bayrou, o que era completamente inesperado. Todos esperavam uma disputa entre a candidata da esquerda, Ségolène Royal, e Nicolas Sarkozy [direita]. Os candidatos tentaram também evitar uma repetição do que aconteceu em 2002, quando o ultradireitista Jean-Marie Le Pen chegou ao segundo turno. A esquerda está tentando de todas as formas chegar ao segundo turno, e a direita, representada por Sarkozy, está adotando posições radicais, especialmente em imigração e segurança, para roubar os votos de Le Pen. Quando tanto a esquerda quanto a direita tentam se aproximar de suas bases para garantir a unidade dos votos, isso deixa o campo aberto no centro, o que levou à ascensão de Bayrou.Folha Online - Muito está sendo dito sobre o fortalecimento da direita, o que se reflete na liderança de Sarkozy com seu conservadorismo. O sr. crê que o eleitorado francês esteja em um processo de aproximação com a direita ou esse é um fenômeno restrito a essa eleição?Culpepper- Na verdade, se você considerar todo o eleitorado, ele não se moveu para a direita em temas sociais nos últimos 20 anos. Se houve uma mudança, ela foi mais para a esquerda. Observando temas como a pena de morte e os direitos dos gays, por exemplo, as opiniões se tornaram mais liberais e esquerdistas. Então não é uma mudança na política francesa, mas sim a ascensão de posições mais conservadoras em algumas questões específicas. Uma dessas questões é a integração das pessoas que moram nos subúrbios, que são em sua maioria descendentes de imigrantes e enfrentam muito preconceito na sociedade. Outro ponto é a falta de segurança, o aumento do crime, que levou as pessoas a adotarem posições mais duras e de direita. Folha Online - E como explicar a liderança de Sarkozy nas pesquisas de opinião?Culpepper- Bem, deixando de lado suas posições políticas, ele é um excelente candidato, que sabe se apresentar muito bem para o público. Ele é muito dinâmico, articulado, e consegue se apresentar como o candidato da mudança --apesar de ter participado do governo atual durante todo o tempo [foi ministro do Interior até recentemente, quando renunciou para se candidatar à Presidência]. Ele era um "inimigo necessário" para [o presidente Jacques] Chirac, e apesar de ter criticado o governo, assumiu cargos importantes.No começo, a esquerdista [Ségolène] Royal causou muita excitação, porque era vista como alguém com tanto carisma quanto Sarkozy. Ao longo da campanha ficou claro que ela nunca foi apoiada pela ala mais antiga e poderosa de seu partido, e Royal agora não parece uma candidata tão forte quanto Sarkozy.Essa eleição está se transformando numa disputa entre os que são contra e a favor de Sarkozy. Ele dominou a corrida eleitoral. Folha Online - Não é irônico que as pessoas votem em Sarkozy por suas posições duras contra o crime e a imigração quando foi durante sua gestão como ministro do Interior que a França enfrentou as revoltas nos subúrbios de Paris (em 2005) e o aumento da insegurança?Culpepper - Sim, mas Sarkozy, ao abordar a questão, saiu completamente fora do que era esperado ao chamar os imigrantes de "escória" --uma linguagem muito, muito forte para um político. Sua disposição em ir além das convenções políticas significa para muitas pessoas que ele tem credibilidade quando diz que fará algo diferente. Ele certamente não resolveu o problema, mas é visto como alguém que agiu com firmeza com relação ao crime. A questão aqui não são suas políticas, mas sua credibilidade. É como nos Estados Unidos, onde os republicanos são tradicionalmente vistos como mais fortes em questões externas. O que quer que "firme" signifique, Sarkozy aparenta mais firmeza do que os demais para o eleitorado francês. Em termos de políticas, ele adotou algumas posições bastante fortes na tentativa de promover o diálogo entre diferentes grupos religiosos, o que é bastante incomum devido à forte tradição laica do governo francês. Ele se beneficia tanto por sua aparência de firmeza quanto por sua disposição para quebrar tabus e fazer coisas inovadoras.Folha Online - O sr. mencionou que Royal não tem apoio dentro do Partido Socialista. Além disso, há muitos candidatos e divisões entre os partidos de esquerda. Ela é incapaz de unir os votos da esquerda ou esse é um problema estrutural anterior a essa eleição?Culpepper - A divisão da esquerda na França é um problema que já existia muito antes de Royal. Parte da razão pela qual [o então candidato socialista] Lionel Jospin não chegou ao segundo turno na eleição de 2002 é exatamente a existência de uma série de pequenos candidatos de esquerda. Esses pequenos candidatos alcançaram os votos de protesto daqueles eleitores que teriam votado em Jospin no segundo turno, mas devido à fragmentação dos votos da esquerda, isso não aconteceu. A esquerda é muito fragmentada em várias questões. A vitória do "não" no referendo para aprovar a Constituição Européia serviu para exacerbar essa divisão. E agora Royal tem a dificuldade adicional de lidar com o problema estrutural da esquerda. O problema com Royal é que é muito importante ter o apoio maciço do partido no primeiro turno, quando há muitos candidatos. E ela não tem. Ela praticamente do nada, há dois ou três anos, na política nacional francesa depois de uma carreira mais regional. Isso gerou muito ressentimento na ala mais tradicional do Partido Socialista, em pessoas como Laurent Fabius, que achavam que seriam os escolhidos para concorrer. Dentro do partido, ela é vista como pouco séria na hora de definir políticas nacionais. Apesar de seu carisma, logo nas primeiras assembléias grande parte dos figurões do partido começaram a reclamar de sua leveza. Os eleitores percebem que ela não tem grande apoio no partido e têm medo de repetirem 2002, quando a esquerda não foi ao segundo turno. Nem mesmo os líderes socialistas acreditam que ela podem vencer, e já começaram a planejar a oposição para após sua derrota nessa eleição. Isso está prejudicando sua campanha, sem dúvida.Folha Online - O fato de ela ser mulher contribui para essas dificuldades?Culpepper - É difícil responder isso. Em minha opinião, há um pouco de machismo na rebelião dos líderes do Partido Socialista contra Royal, em sua falta de apoio a ela. Chegaram a perguntar "quem ia cuidar das crianças" se ela vencesse a eleição [Royal tem quatro filhos com François Holland, também do Partido Socialista]. Mas é muito difícil quantificar esse efeito. É como o fato de ela ser considerada nova na política nacional, tem suas vantagens e desvantagens.Folha Online - O candidato de ultradireita Jean-Marie Le Pen criticou Sarkozy por ele ser de origem húngara. No momento em que a imigração é um tema tão delicado, isso pode prejudicar Sarkozy?Culpepper - Sarkozy é bastante francês em suas posições. As acusações de Le Pen não passam de uma tentativa de angariar votos na ultradireita. Ele está preocupado com a possibilidade de Sarkozy abocanhar os votos de parte de seu eleitorado. Mas Le Pen é um candidato esperto, e o fato de haver ainda muitos eleitores indecisos pode ser favorável a ele. Se observarmos a campanha de Sarkozy, ele esteve sempre muito consciente do perigo de Le Pen. Ele se manteve firme na questão da segurança e da "identidade nacional", para "roubar votos" de Le Pen. Ele vai continuar a apostar nisso até se sentir seguro quanto ao segundo turno. Só que essa estratégia tem um custo --ele está alienando muitos eleitores que preferem o centro no espectro político. Folha Online - Le Pen apresentou uma subida lenta porém regular todas as vezes que disputou a Presidência. Pulou com 0,74% em 1974 para 14% em 1988, 15% em 1995 e cerca de 17% em 2002. Ele é o candidato mais à direita da disputa. O que isso diz sobre o eleitorado francês?Culpepper - Como eu disse, acredito que o eleitorado se moveu mais para a esquerda do que para a direita nas últimas décadas. Mas Le Pen é hábil em se aproveitar de questões sensíveis como a integração dos filhos de imigrantes. Seu eleitorado é muito fiel --ele tem alcançado cerca de 15% dos votos há mais de dez anos. Ao mesmo tempo, é difícil de prever seu apoio, pois é um pouco embaraçoso para o eleitorado admitir para os pesquisadores que vão votar em Le Pen. Ele pode ter mais votos do que os mostrados nas pesquisas de opinião.Para concluir, seu sucesso não é reflexo de um movimento geral da França, mas aponta que há cerca de 20% do eleitorado francês para os quais temas de fortalecimento de uma identidade nacional e de proteção contra uma maior integração com a União Européia são valiosos.Folha Online - O crescimento do candidato de centro, François Bayrou, surpreendeu o país. Na opinião do sr., ele tem uma plataforma consistente ou ele é a "alternativa" e seu sucesso se deve à rejeição tanto de Ségolène quanto de Sarkozy?Culpepper - Acredito mais na segunda hipótese. Eu nem consigo ver a plataforma de Bayrou na maioria das questões. Ele não é um político novato. Seu apelo provém em certa medida de sua habilidade em unir a imagem de alguém ligado à terra, um fazendeiro, e a de um intelectual --que são figuras muito fortes na França. Se ele chegar ao segundo turno --o que não é o mais provável, na minha opinião-- seria uma dinâmica muito interessante de assistir. Há muita gente na esquerda que não acredita na capacidade de Royal em derrotar Sarkozy no segundo turno e por isso vai votar em Bayrou.Tanto Royal quanto Sarkozy estão fazendo de tudo para evitar que ele chegue ao segundo turno --Royal porque ela deseja estar lá e Sarkozy porque ele crê que será mais fácil derrotar Royal.A única posição clara de Bayrou é a de que ele é pró-União Européia. Sarkozy teria que apresentar uma campanha bastante contrária à integração européia. Esse é um assunto que divide muito a França. Eu não ficaria surpreso se os líderes europeus estiverem torcendo por uma disputa tradicional esquerda-direita [ou seja, Royal-Sarkozy] para evitar que Sarkozy --o provável vencedor-- busque apoio em bases antieuropéias.De resto, Bayrou está sempre dizendo que quer unir as pessoas, a direita e a esquerda, mas ninguém entende o que ele quer dizer.Folha Online - O carteiro Olivier Besancenot tem se destacado entre os candidatos nanicos de ultra-esquerda, angariando por volta de 5% da preferência do eleitorado. Qual é seu apelo?Culpepper - Não tenho muita familiaridade com a campanha de Besancenot, mas posso dizer que as leis eleitorais francesas beneficiam candidatos pequenos no primeiro turno. Pela lei, todos os candidatos têm direito ao mesmo tempo de exposição nos meios de comunicação públicos. Isso dá uma vantagem desproporcional a pessoas que chegam com mensagens voltadas para "nichos" específicos. Os candidatos dos "nichos", tanto de extrema-esquerda quanto de extrema-direita, dizem: "Olhem, a França tem muitos problemas. Estamos preocupados com os mercados globais, com a integração social, os modelos tradicionais não funcionam e temos os mesmos políticos no poder há décadas. É hora de mudar". O primeiro turno é um voto de protesto. Os eleitores acreditam que um voto para Sarkozy ou Royal não fará diferença. Mas se Besancenot ganhar muitos votos, isso manda uma mensagem forte de que é preciso prestar atenção em seu grupo, o socialista radical. Folha Online - Na opinião do sr., que tema será o dominante para os eleitores franceses em 2007 na hora de definirem seu candidato?Culpepper - Acredito que o que está em jogo é a habilidade do Estado em prover soluções para a globalização. Isso inclui os temas que já discutimos --imigração, integração à União Européia, e também economia e desemprego. Basicamente, os franceses estão preocupados em saber como o governo pode lidar com o crescimento dos mercados globais. Os franceses, mais do que outros povos (de acordo com pesquisas de opinião), são muito receosos com relação ao mercado, e tendem a depender do Estado. Eles não confiam no mercado e esperam que o governo ofereça soluções. Eles vão escolher o candidato que acreditam capaz de dar estratégias ao Estado para intervir no mercado e criar a sensação de que os franceses são senhores de seu destino.

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